segunda-feira, 11 de julho de 2011

Pela primeira vez, alunos se formam no ensino médio na comunidade quilombola Kalunga, em Goiás [05/07/2011)


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por Denise Pires | fotos Guanabaratejo


Os irmãos Natália, Damião e Evânia com os canudos na mão, um orgulho para o pai Serilo e a esposa 


O lavrador Serilo dos Santos Rosa, de 57 anos, é analfabeto, mas doutor em solidariedade. No dia da formatura no ensino médio de três de seus nove filhos, sua maior preocupação era que a educação chegasse a todas as comunidades quilombolas do Brasil. “A gente se sente discriminado. Temos que deixar de ser este corredor da miséria. Esta imagem tem que desaparecer. Por isso, rezo para que esta oportunidade chegue a todos os quilombos brasileiros.” Sábio, com um conhecimento sobre a vida que não se aprende nos bancos escolares, Serilo reconhece que só com educação é possível mudar a realidade de locais tão isolados como a comunidade Kalunga, em Goiás, onde a escola chegou na década de 80 e a luz elétrica, em 2004, onde os moradores trabalham horas na roça para garantir seu sustento e muitos apostam no estudo como base fundamental para um futuro melhor, desde que esse futuro também beneficie o local que vivem. 


Nesse quesito, os irmãos Damião, Natália e Evânia já fazem parte da história de Kalunga – a maior comunidade quilombola do país. Eles integram a primeira turma que se formou no ensino médio, em um lugar que, durante séculos, viveu à margem da educação. Filhos do Seu Serilo, todos pensam em seguir profissões que podem beneficiar a comunidade em que vivem. Damião, de 27 anos, quer estudar administração para conseguir levar adiante o seu projeto de aluguel de bicicletas para os visitantes. A ideia é impedir que os turistas tentem chegar às cachoeiras de carro. “Tenho preocupação com o meio ambiente”, afirma.


Natália, de 22 anos, quer fazer medicina e voltar para a comunidade. Ela conhece as necessidades de Kalunga (hospital não existe e para cuidar da saúde da população, apenas um posto de saúde com atendimento médico uma vez por semana). A caçula, Evânia, de 19 anos, sonha em ser atriz. Quer trazer o colorido de um palco para Kalunga, também carente de cinema, teatro, museu, nem nada que lembre uma atividade cultural como a que conhecemos nos grandes centros urbanos. O pai, Serilo fala com orgulho. “Ninguém toma deles a educação!”


Desde março de 2009, alunos das turmas de Kalunga e de Cavalcante (jovens e adultos com idades variadas), frequentaram as aulas do Telecurso – iniciativa da Fundação Roberto Marinho e apoio da prefeitura de Cavalcante –, nas noites de sextas-feiras, aos sábados (em dois períodos) e nas manhãs dos domingos. Rotina puxada para quem passa a semana inteira (o dia todo) na roça. Mas a metodologia do Telecurso permitiu que esta flexibilidade de horários fosse adotada para que eles pudessem completar seus estudos sem prejudicar o trabalho. 



Alexandre Henderson, apresentador do Globo Ciência, com uma das formandas. À esquerda, Vilma Guimarães, gerente geral de Educação e Implementação da Fundação Roberto Marinho 


Ao todo, 50 pessoas se formaram no ensino médio e 30, no ensino fundamental. Nas salas de aula, histórias de vida de quem superou todo tipo de dificuldade, como a falta de luz, a falta de escolaridade, a falta de cidadania. Cleusa, por exemplo, cavalgava durante quatro horas para chegar à escola. Maria das Dores completou o ensino fundamental e recuperou o tempo perdido. Agora, sonha em ajudar a sua comunidade. Depois de completar o ensino médio, esses alunos prometem continuar com seus estudos. E, a partir de agora, com o resgate da escolaridade, é que eles vão constatar o verdadeiro conceito de liberdade que a educação pode representar em suas vidas. Moradores de uma comunidade cujo significado é “esconderijo, aldeia, cidade ou conjunto de povoações em que se abrigavam escravos fugidos” que ainda traz as marcas de uma história de segregação, os formandos do Telecurso tiveram contato também com uma língua estrangeira, o inglês, e na parede da Escola Municipal Joselina Francisco Maia, o cartaz informa: “The Telecurso for me is important and a second opportunity to have a job and a future” (Seja por meio de uma opportunity ou uma oportunidade, o importante é que esses bravos guerreiros vão continuar a fazer história). 


O apresentador Alexandre Henderson, do Globo Ciência, conduziu a cerimônia de formatura e se mostrou emocionado. “Me sinto muito bem num lugar onde viveram meus antepassados. É uma emoção diferente estar aqui, sentindo essa energia tão boa.”

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